quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Ao mestre Abdias
FOTO ARQUIVO RAÇA

Em 1982, na PUC de São Paulo, foi realizado o III Congresso de Cultura Negra das Américas, um evento grandioso cuja fala mais esperada era daquele senhor que, na época, já havia conquistado o espaço de timoneiro da luta contra o racismo no Brasil. Seu nome: Abdias Nascimento. Para mim, um momento único, afinal, seria a primeira vez que estaria de frente com o ativista que mudou a forma como eu encarava a questão racial no Brasil com seu o livro O Genocidio do Negro Brasileiro.

Mais tarde, descobriria que suas palavras, seus escritos e ensinamentos mudaram não só a cabeça de um jovem que sonhava em ser cartunista, mas de milhares de negros e negras que contribuíram com as mudança nas relações raciais no Brasil nos últimos 70 anos. Quase três décadas depois, encontraria Abdias novamente, desta vez para uma entrevista exclusiva para a RAÇA BRASIL. O mais interessante é que, apesar do tempo ter passado para ambos, Abdias continuava a ser a referência maior para tantos negros brasileiros que sonhavam e lutavam pelos mesmos ideais. Falo do sonho da igualdade, da solidariedade, de um mundo diferente e menos cinzento. Falo do sonho do mestre Abdias Nascimento:

Abdias Nascimento morreu aos 97 anos de idade sem ver o seu sonho concretizado totalmente, mas para o paulista da cidade de Franca, escritor, poeta, jornalista, político, militante, artista plástico, ator e diretor teatral, a luta não foi em vão. A partir de suas ideias e ensinamentos, muito se avançou no país quando falamos em questões raciais. E esses avanços aumentam a cada dia, à medida que outros negros e negras brasileiros descobrem o valor de sua raça, a beleza da cor de sua pele, e a importância de pessoas como o mestre Abdias na construção de suas personalidades. A seguir, trechos da entrevista exclusiva concedida por ele à RAÇA BRASIL. No final de 2009. Em suas respostas, fica a certeza de que perdemos um grande cidadão brasileiro, acima de tudo.

" Ainda quero ver o negro mandando nesse país. e vou ver! acho que ainda vou ver isso vivo. o negro que realizou realmente a construção do país, e não só no sentido material, não só na cana - de - açúcar, no café, no algodão, não somente na produção dessas riquezas, mas o que também construiu a riqueza intelectual, cultural, esportiva. "

"É o negro acreditar no negro. Quando é político, não acreditamos, preferimos votar no outro, quando é um médico, logo olhamos com certo descrédito, se é um jornalista, a mesma coisa. É preciso que acreditemos em nós, no potencial dos nossos irmãos para mudarmos definitivamente esse estado de coisas"

Sobre o principal desafio que o negro enfrenta atualmente

"O Obama deu uma lavada no Brasil! Aqui sempre se propagou nos quatro cantos do planeta como sendo o país da harmonia racial. Embora tenhamos essa fama, nunca tivemos uma figura de destaque que fosse canonizada pelas urnas, no mais alto posto do escalão da república, nunca houve isso!"

Sobre a vitória de Barack Obama nas eleições dos Estados Unidos

"As sessões no congresso começam com uma saudação a Deus nosso senhor. Eu, diferente de todos ali, começava o meu discurso todas as vezes invocando Olorum, pois Olorum é que é o nosso Deus. É para ele que eu batia a cabeça e mais ninguém. Imagina o mal-estar que isso causava em alguns congressistas"

Sobre o tempo em que freqüentava o Congresso Nacional. Ao invés do terno e gravata, Abdias sempre se apresentava com roupas africanas

REVISTA RAÇA BRASIL
Os Swazis
Eles habitam a divisa da África do Sul com a Suazilândia, um dos menores países do continente africano, a oeste de Moçambique e mantêm viva até hoje - após milênios de proibição - a fala do idioma Swati. Saiba mais sobre essa nação africana e o local onde vivem

-Os swazis não desenvolveram a escrita quando eram soberanos e sua história foi transmitida oralmente de pai para filho através do idioma Swati. Sem a escrita, não existe nenhum registro deles antes da dominação que sofreram – durante muitos e muitos anos – por parte dos tarsitas. Mesmo sem sua história e proibidos de falar seu idioma oficial, o Swati, a língua é mantida até hoje. O idioma é muito semelhante ao dialeto das nações Zulu e Xhosa.

-Eles são descendentes dos Nguni (pastores de gado) e acabaram migrando para o sul da África devido a esta atividade. Os Swazis chegaram à região da Suazilândia entre o século 12 e 14.

-As mulheres swazi usam, tradicionalmente, os cabelos no estilo conhecido como black power natural. Chamado de colméia tem uma trança única em volta e, por cima do penteado, cores cru, contas e búzios na sua decoração.

-Para a cerimônia de casamento entre os swazis, um parente deve colocar na mulher, no último momento, uma coroa de miçangas com uma bexiga inflada de bode abatido. O ritual serve para dar à noiva boa sorte em sua nova vida.

-A Suazilândia é um país independente e, embora as cidades pareçam modernas, a vida rural predomina e gira em torno da criação de gado, mantendo um sistema patriarcal de chefes e anciãos nas aldeias. A monarquia detém o poder absoluto. Quem dita as regras é o rei Mswati III. Ele foi educado na Sherbourne School, na Inglaterra, e controla diretamente a economia e o governo, mas faz questão de manter as tradições que outras nações africanas abandonaram.

-Todos os anos, a população jura lealdade ao rei em uma cerimônia chamada Ncwala, que dura cerca de quatro dias e seleciona possíveis jovens para, futuramente, serem eleitos. No terceiro dia, um touro é libertado, e esses jovens devem capturar e matar o animal usando apenas as mãos. Uma prova de coragem e força!

-Para esta cerimônia, são enviados alguns mensageiros para a costa de Moçambique para recolher a “espuma das ondas” do Oceano Índico e trazê-las para a “festa”. No último dia, são queimados os bens reais e utensílios domésticos, no recinto real, onde o povo realiza danças para o rei. Enormes fogueiras são acesas nas colinas ao redor, e é comemorado o início do Ano Novo. A cerimônia pode ser vista por todos, mas é proibido fotografar.

-Outra grande cerimônia na Suazilândia é o Umhlanga, ou Reed Dance, que acontece uma vez por ano e dura uma semana inteira. É uma festa para marcar a transição das moças solteiras para a condição de mulheres, que passam a ser aptas ao casamento. O rei é quem escolhe os candidatos para as mulheres jovens que farão parte da família real. De maneira discreta, as moças se vestem de roxo e colocam penas em seus cabelos.

-O povo da Suazilândia tem uma longa tradição do ocultismo e do contato com o mundo espiritual. Existe até uma escola nacional de formação para Inyangas (adivinhos) e Sangomas (curandeiros), patrocinada pelo governo. O culto dos ancestrais é amplamente praticado, quase sempre misturando o cristianismo evangélico.

-A nação Swazi é famosa também por suas artes e há barracas e mercados por todo o país com esculturas, jóias e as tradicionais armas, como lanças e escudos.

-A Suazilândia é um país que pratica a poligamia. O rei Mswati III, por exemplo, coroado aos 18 anos, se casou 14 vezes, além de ter mais duas noivas. Mas seu pai, Sobhuza II (que reinou de 1921 a 1982) superou, teve uma marca impressionante. Ao todo, foram 120 esposas.

-A poligamia no país é vista como um dos principais meios para a propagação do vírus HIV. Suazilândia tem um alto índice de pessoas infectadas, cerca de 26% da população local, um dos maiores do planeta. A expectativa de vida no país é de apenas 32 anos.

Por Sonia Nascimento fotos Rafael Cusato
A arte dos Ndebele

Eles habitam a região de Lesedi, na África do Sul e, com cerca de 650 mil pessoas, são uma das poucas nações que conseguiram preservar suas tradições. Mesmo sendo uma sociedade patriarcal, a conhecida herança artística dos Ndebele foi passada de mãe para filha ao longo dos séculos e apenas as mulheres se dedicam aos grafismos e artesanatos


- Na sociedade Ndebele, a mulher ocupa uma posição distinta, devido ao seu domínio na arte da pintura e com o vestuário. Grafismos e cores fortes são expressados em paredes e vestimentas, além dos acessórios (braceletes, colares e tiaras) confeccionados com miçangas e contas coloridas. Eles se utilizam, também, de fibras vegetais para os adornos que enfeitam o alto da cabeça, usados nas festas.

- Os grafismos são puramente artesanais e desenhados à mão livre, sem medições ou esboços. À primeira impressão, são as de imagens abstratas, mas na verdade tudo é feito baseado num complexo sistema de sinais e símbolos.

- Na arte dos Ndebele, as girafas de cerâmica também são destaques. Elas são feitas com argila e, depois de secas, esmaltadas e queimadas, ficam disponíveis para a venda aos turistas ou ainda como troca por produtos essenciais de uso doméstico.

- Apenas as mulheres se dedicam a preservar a tradição artística e passá-la para frente. As meninas Ndebele são afastadas do convívio masculino quando chegam à puberdade e passam cerca de três meses aprendendo os segredos das pinturas e artesanatos. Esse período de “estudos” mostrará o quanto elas serão boas e dedicadas esposas e mães.


CARACTERÍSTICAS CULTURAIS
- Na nação Ndebele as mulheres se enfeitam mais com o casamento e com o passar da idade. Elas utilizam anéis de cobre em volta do pescoço, dos braços e das pernas após se casarem. Os anéis simbolizam a fidelidade (elas não conseguem olhar para os lados) e só são retirados na hora do banho. Como eles simbolizam a riqueza e a fidelidade aos maridos, apenas com a morte de seus companheiros os anéis podem ser retirados, mas muitas mulheres não o fazem, por se habituarem a eles.

- Quando as jovens estão na idade de casar, recebem uma boneca com xale e o avental que irá simbolizar o novo status de mulher casada. A dona da boneca deve tomar conta dela e dar-lhe um nome, que depois será dado a sua primeira filha.



Esther Mahlangu (foto acima) conquistou o mundo com a sua arte. Abaixo, carro da marca BMW estilizado por ela em 1992


- A noiva não deve sorrir em seu casamento, pois deve demonstrar certa ‘tristeza’ de deixar a casa de seu pai. Na cabeça, ela leva um peça característica para a cerimônia de casamento, confeccionada com fibras vegetais e que demora horas para ser preparada pelas outras mulheres. Para usar o acessório, o cabelo da noiva é raspado na frente, coberto por um painel central endurecido com uma mistura de terra e mingau de ardósia, e decorado com miçangas e uma pena de ave rara.

- O corpo da noiva é pintado com gordura de ardósia e em seu rosto é dado um brilho com vaselina, para torná-la mais atraente. É considerada uma vergonha se a peça da cabeça cair ou quebrar durante a cerimônia de casamento, que é bastante demorada.

- A manta colorida típica mostra o resumo de um forte senso de arte e design desse povo artista. As mulheres Ndebele, tradicionalmente, têm a cabeça raspada ou com tranças muito finas e simples. Os aros utilizados em torno do pescoço, braços e pernas são de bronze.

POR SONIA NASCIMENTO | MODELO: ISABELA ASSUMPÇÃO | FOTOS: RAFAEL CUSATO /REVISTA RAÇA BRASIL

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Adolfo Caminha- Abolicionista e Republicano




Quando o cearense Adolfo Caminha publicou o romance Bom-Criulo, no ano de 1895, ninguém, no Brasil, nem talvez no mundo, ouvira falar em Sigmund Freud e somente nesse mesmo ano apareceria o Estudo Sobre o Hipnotismo, que a rigor, não pode sequer ser considerado ponto de partida da futura teoria da Psicanálise e da sua conseqüente implicação nos fenômenos da sexologia.
No campo da Inteligência, discutia-se no Brasil, e sempre em tom polêmico, Romantismo versus Realismo -Naturalismo, com fartas citações de Zola, Flaubert e todos aqueles franceses cujas idéias renovadoras chegavam ao público brasileiro menos ilustrado por via do culto quase devoto a Eça de Queiroz.
Adolfo Caminha,
para usar uma síntese, foi naturalista. Diria: um naturalista puro. Do romantismo da sua geração herdou a tuberculose que o mataria com menos de trinta anos de idade.
Ao ingressar na Escola da Marinha, com dezessete anos incompletos, Adolfo Caminha, como bom cearense, já trazia a marca do sofrimento, que é a vespera da revolta. Nascido no Aracati- a mais tradicionalista cidade do Ceará, em 1867, mal fizera dez anos, assiste à grande seca de 77, perde a mãe, e é enviado para Fortaleza, aos cuidados de parentes que não conhece. E, quase em seguida, vai para o Rio de Janeiro, morar com um tio, que o educa e o encaminha para a carreira de oficial da Marinha. Estava selado o destino. Não que Adolfo Caminha revelasse vocação de marinheiro. Mas porque, na juventude que frequentava a escola, o fermento da rebeldia e da insubordinaçã, que seu espírito inquieto e doído, logo se converteria numa espécie de convite, à la Nietzsche, para viver perigosamente. Não era apenas lá fora, na corte e nas províncias, que fervia o movimento abolicionista e republicano. Os alunos da escola dele participava abertamente, realisticamente, corajosamente, fiéis ao modelo por que optaram na Literatura e na Arte. Tanto assim que o aluno Adolfo Caminha, orador de uma homenagem que a escola prestava a Victor Hugo, e na presença solene e patriarcal de Pedro II, fez sua profissão de fé abolicionista e republicana, confesando-se, ativamente contra o anacronismo da Escravidão e do Império.

SUA PRIMEIRA DENÚNCIA IRIA FICAR SEM EFEITO

Nâo obstante o episódio de temeridade e ousadia, é declarado guarda-marinha em 1885 (novembro) participado, no início do ano seguinte, da viagem de instrução ao Estados Unidos. O cruzador Almirante Barroso, que primava pelo asseio e pela disciplina, não lhe transmitiria o gosto e o entusiasmo pelo oficialato, mas iria se converter no veículo ideal para seu aprendizado de insubordinação e revolta. Nessa viagem, não nasceria somente o segundo livro de Adolfo Caminha-No país dos Ianques. Germinaria também, em seu espírito a semente do seu grande romance Bom-Crioulo.
Cedo se abriu entre ele e a carreira o abismo da chibata. Não se concebia, realmente, que o jovem oficial, abolicionista, republicano, presenciasse impassível ao castigo infamante. E o silêncio para ele se tornaria mais infamante que o próprio castigo. Confessa -No País dos Ianques- com a coragem que o acompanharia pela vida: O meu primeiro passo ao deixar a escola e envergar a farda de gaurda-marinha foi publicar um protesto contra essa pena infamante, e fi-lo desassombradamente, convicto de que sobre mim ia cair a odiosidade de meus superiores; em geral apologistas da chibata.
E as cenas da brutalidade do castigo que avilta e corrompe em vez de corrigir vêm descretas, pelo futuro romancista, em toda a sua crueza, como impressão mais forte da viagem.


Texto extraído de - Espiral: Revista Literatura Nº 2- (1996)- João Clímaco Bezerra



sábado, 3 de setembro de 2011

A EMANCIPAÇÃO NO CEARÁ E OS BRAZILEIROS EM LONDRES

A EMANCIPAÇÃO DA CAPITAL DO CEARÁ -24 DE MAIO DE 1883

Jantar dos brazileiros em Londres -9 de junho de 1883

Alguns membros da pequena Colonia Brazileira de Londres reuniram-se no dia 9 de lunho em Qeen Anne' s Mansions, em Westminster, para commemorar a emancipação no município da cidade de Fortaleza. O jantar não teve senão caracter patriótico e Brazileiro, sendo de facto uma acclamação do nome da província que, primeira de todas, procurou tornar o seu sólo livre, por brazileiros ausentes do seu paiz. A presença de diversos representantes das Repúblicas Américanas deu à reunião o alcance de uma manifestação Americana a favor da liberdade, da paz, e do progresso de todo continente.
O Sr. Joaquim Nabuco que presidio, propoz o primeiro brinde ao Ceará. Antes de fazê-lo, leu as seguintes felicitações, uma da Sociedade Abolicionista Hespanhola, e outra do veterano Abolicionista Francez, o Sr. Victor Schoelcher, com cujo nome está para sempre associado ao decreto do Governo Provissorio de 1848, que abolio a escravidão nas Colonias Francezas.
Este telegramma da Sociedade Abolicionista de Madrid:
A Sociedade Abolicionista da Hespanha associa-se cordialmente á festa desta noite da província do Ceará.
Ao propor o brinde ao Verá o Sr. Joaquim Nabuco disse:

Meus Senhores, - O caracter desta reunião é tal que ainda mesmo as pessoas mais suspeitosas a respeito de tudo que se refere á escravidão entere nós, não poderão desvirtuá-lo. Não é uma reunião partidária , é uma reunião nacional. Estamos hoje aqui unidos por um único sentimento: o amor da pátria, o desejo de vê-la quanto antes livre da escravidão. Esta festa no estrangeiro tem o mesmo caracter da emancipação no Ceará, isto é, o da unanimidade e expontaneidade. O facto, que commemoramos, o de haver um districto de solo livre no Brazil, póde parecer insignificante visto tão de perto, ou por estrangeiros; mas de facto é o começo de uma nova patria, e ha de ter um lugar proeminente em nossa história, porque pelo contacto e pelo prestígio da Liberdade essa primeira area e população livre ha de alargar-se até abranger o paiz.
A emancipação no Ceará tem sido obra de todos nós, e, para ver-se quão profundamente essa febre, essa reacção moral de Liberdade actua nas camadas populares, basta dizer que os resultados de hoje são o fructo da resistencia á exportação dos escravos da província de que os jangadeiros do oceano foram o instrumento. Elles crearam em nossa historia uma legenda, que se uma revolução moral pudesse ser comparada a uma transformação política faria lembrar a dos pescadores da Galiléia.
Aqui estão presentes diversas pessoas, que bem representam a sympathia de tda a Amereica pela causa, seja-me lícito agradecer-lhes essa honra que nos fazem de vermos aqui representados, a República Argentina, nossa alliadanos campos de batalha doParaguay, e que tanto augmenta de immigração; o Chile, cujo crescimento normal pela Liberdade nos inspira o mais cordial interesse; os Estados Unidos que mesmo essa grande democracia, a qual teve desde o seu começo como Washington, Jefferson e Hamilton para representa-la, só podem datar a sua verdadeira Liberdade do dia, em que Lincoln assignou a emancipação total dos escravos.
Antes de concluir, não deixarei de externar um pensamento , que me ocorre por estarmos aqui tão perto, quasi á sombra da abbadia de Westminster. Fui tavez o unico estrangeiro da raça Latina, que teve a honra de acompanhar o cortejo mortuario de Charles Darwin. Não posso esquecer que ha quasi meio século deixando o Brazil elle escreveu estas palavras: - "Deixo agora as praias do Brazil . Eu agradeço a Deus, e nunca mais hei de tornar a visitar um paiz de escravos." - O naturalista sentia-se fortemente attrahido pelo paiz, mas o homem era repellido pelo escravidão! Se elle pudesse ter ter conhecimento dessa nossa reunião, e se soubesse o que ella representa, veria que, pela mesma evolução da qual elle descobrio as leis, o Brazil transformou-se desde então de um povo de senhores de escravos, a um povo de dez milhões de homens livres. A escravidão ainda existe , mas a nação divorciou-se della. O que era interesse de todos, tornou-se monopolio de poucos, e factos como o do Ceará, hão de apressar-lhe a queda. o que falta ao Brazil para conseguil-o é confiança no trabalho livre e no poder organico da Liberdade: porque desde que essa resolução apparecer e elle queimar os navios aprodecidos, em que a escravidão veio da Africa, ha de achar-se, como Cortez, na posse de um Novo Mundo de incommensuravel grandeza e inexgotavel opulencia. A Provincia do Ceará, e a sua gloriosa iniciativa.





sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Da forma e da figura da moeda

Quando os homens inicialmente começaram a comerciar e a comprar mercadorias e bens por meio da moeda, não havia nela ainda nenhuma impressão de figura ou imagem: dava-se apenas uma porção de cobre ou de prata em troca de comida e bebida, porção que se media por peso. Mas era coisa fastidiosa e difícil ter que recorrer e ir a balança tão frequentemente, e, ainda, tendo-se o peso como medida, não se podia equiparar com precisão a moeda às mercadorias, nem o vendedor, em diversas circunstâncias, podia saber a natureza do metal do qual a moeda era composta ou o título da sua mistura.Por isso, foi estabelecido pelos sábios daqueles tempos, prudente e sabiamente, que as peças monetárias fossem feitas de certa matéria e tivessem determinado peso, e que nelas se imprimisse uma figura que atestasse a todos, de maneira clara, a qualidade da matéria e a exatidão do peso, a fim de que, eliminadas as suspeitas, o valor das moedas fosse rapidamente conhecido sem dúvidas ou delongas. E, que tal impressão na moeda fosse instituida em sinal da veracidade da matéria e do peso, o demonstraram claramente os antigos nomes das moedas reconhecíveis por suas impressões e figuras, assim como ocorre om a libra, o soldo, o drenário, o óbulo, o asse, a sêxtupla, os denários, os grãos e semelhantes, que são nomes próprios dos pesos das moedas, como diz Cassiodoro. Assim, siclo é nome de moeda e é também o nome do peso, como aparece no Gênesis. Os outros nomes de moedas são nomes impróprios, acidentais ou denominações derivadas do lugar, da figura, do fabricante ou de outra coisa semelhante.
As proções de moeda, que são denominadas propriamente peças monetárias, devem ser de forma e quantidade aptas para ser manejadas e contadas, de matéria divisível e suficientemente maleável para receber e conservar duradouramente a impressão. Vê-se, então, por que nem todas as coisas preciosas são próprias para se tornarem peças monetárias: pedras preciosas, pimentas, vidros e outras coisas semelhantes, com efeito, não são, por suas propriedades naturais, adequadas para isso, mas somente o ouro, a prata e o cobre, como referido acima.
Texto Extraído do livro:Pequeno Tratado da primeira invenção das moedas (1355) Tradução Marzia Terenzi Vicentini.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Por que a moeda foi inventada

Quando dividebat Altissimus, gentes, quando separabat filios Adam, constituit terminos populorum juxta numerum filiorum etc.
Quano o Altissímo e soberano Deus onipotente dividiu as gentes e separou os filhos de Adão, ele delimitou os territórios de cada povo segundo o número de filhos de Israel; daí em diante os homens se multiplicaram sobre a terra e foi necessário dividir erepartir novamente suas posses.
Disso resultou que um deles passou a possuir algo a mais do que sua necessidade comportava, enquanto outro tinha dessa mesma coisa muito pouco ou nada; mas, por outro lado , este segundo tinha fartura ou lhe sobrava outra coisa que ao primeiro faltava. Assim, por exemplo, podia ocorrer que um pastor chegasse a ter ovelhas ou outro gado em profusão, mas precisasse de trigo e de pão; enquanto um lavrador, ao contrário, tivesse pão suficiente, mas lhe faltava gado.
Uam região, por sua vez, tinha algo em superabundância que a uma outra fazia falta.. Por essa razão, portanto, os homens começaram a comerciar e a trocar riquezas, sem moeda, dando um deles uma ovelha a outro trigo e, o outro, seu trabalho em troca de pão e de lã. E assim eles faziam com todas as outras coisas. Acostumaram-se , então, a proceder dessa maneira por muitos anos, em várias cidades e países, como contam Justino, o historiador, e outros autores antigos.
Porém, como surgissem nessa forma de permuta e de troca das coisas muitas dificuldades e controvérsias, os homens, engenhosos, descobriram uma maneira mais ágil de fazê-lo, isto é, fazer uso da moeda, a qual foi instrumento para permutar e comerciar entre si suas riquezas naturais. E como unicamente estas, por si próprias, satisfazem diretamente as necessidades humanas, todo odinheiro é dito riqueza artificial e não poderia ser de outro modo, podendo acontecer que alguém que as tenha em abundancia possa morrer de fome ao lado delas.
É o que argumenta o filósofo Aristotéles, citando o exemplo de um rei ganancioso, qu Ovídio, em seu livro Metamorfoses, chama Midas, o qual rezou e rogou aos deuses que tudo que ele tocasse virasse ouro. os deuses outorgaram-lhe esse desejo louco e, desse modo, ele morreu de fome no meio do seu ouro, como representaram os poetas. Com dinheiro, com efeito, não se supera de modo imediato a indigência da vida humana, sendo ele um instrumento artificial, escoberto para permutar mais facilmente as riquezas naturais.
Fica claro, então, sem necessidade de outras provas, que a moeda é muito útil e oportuna para o bem da comunidade pública, alás muito necessária, como demonstra Aristóteles, no seu quinto livro de Ética. (...)

De que material deve ser a moeda

Já que a moeda é o instrumento que serve para permutar riquezas naturais entre os homens, foi necessário que tal instrumento fosse apto para tanto, ou seja, fácil de apalpar e manejar rapidamente, leve de carregar e tal que por pequena porção dele possam ser compradas e trocadas riquezas naturais em maior quantidade, juntamente com várias outras condições que serão examinadas a seguir.
Foi conveniente, portanto, que a moeda fosse feita de matéria preciosa e pouco volumosa, assim como é o ouro; mas de matéria da qual o país tenha suficiente abundância. E quando o ouro não é suficiente, faz-se moeda de prata. Quando, então, esses dois metais não forem suficientes ou não se encontrem em abundância adequada, deve-se fazer moeda mesclada ou simples de ouro metal puro. Antigamente fazia-se essa moeda de bronze ou de cobre, assim como conta Ovidio, no primeiro livro de Os fastos, ode ele diz:
Aera dabant olim, melius nunc omen in auro est,
Victaque concessit prisca moneta novae
O que quer dizer, em vernáculo, que os antigos, em tempos longínquos, usavam suas moedas de cobre, mas hoje em dia, e melhor, os modernos negociam com as de ouro. E assim, superada, a moeda antiga cedeu lugar a nova.
(...) E, como ensina Cassiodoro, os dois primeiros homens que se diz terem achado esses metais foram Éaco, que achou o ouro, e Indo, rei da Cítia, a prata. Com ação digna de grande louvor, ele os entregaram aos homens para seu uso e, desde então, foram considerados divinos por seus povos. Por essa razão, não se deve permitir que grande quantidade desses metais seja utilizada para outros fins se o que resta não for suficiente para fabricar moeda.
Sabendo e bem considerando, outrora, tal coisa, Teodorico , rei da Itália, ordenou que o ouro e a prata, que segundo o costume dos antigos pagãos, estavam escondidos nos sepulcros, junto dos mortos, fossem dali retirados e trazidos para com eles fabricar moeda, para o uso e utilidade pública, declarando ser uma espécie de crime deplorável deixar inultimente nos sepulcros dos mortos algo que poderia servir de ajuda e sustento dos vivos.
Texto extaído do Livro- Pequeno tratado da primeira invenção das moedas ( 1355) Tradução de Maria Terenzi Vicentini-