segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Um Homem de bem e um dos Heróis da Abolição

Ano de 1877.
A maior e mais comentada das nossas grandes secas comburia os sertões do Nordeste.
E Fraga-JOAQUIM AGOSTINHO FRAGA- nascido na serra de Portalegre, da então província do Rio Grande do Norte, em 28 de agosto de 1856, foi atingido em cheio pelo flagelo, o tremendo flagelo climatérico, de consequências desoladoras.
Não bastava-lhe, a ele, contando apenas com viúva e irmãos menores, vinha agora, a seca de 77, uma infelicidade a mais agravar-lhe a situação difícil e precoce de chefe da própria família do seu genitor, prematuramente falecido.
Filho era de Joaquim Agostinho Fraga de respeitável casal de honrados sertanejos: seu pai, Desidério Benigno Fraga, e sua mãe, Donata Alexandrina da Conceição.
Compelido pela terrível calamidade pública, teve ele de emigrar.
E como que por uma predestinação pública veio ter- e aí fixar residência- veio ter no antigo Acarape, atualmente cidade de Redenção, depois da gloriosa jornada abolicionista negra, solenemente triunfante em 1º de janeiro de 1833, primeira etapa da emancipação total em todo território do Brasil, em 13 de maio de 1888.
Foi, precisamente, o emigrado norte-rio-grandense de ontem com poucos outros companheiros, decididos e abnegados, um dos heróis da memorável campanha abolicionista no Ceará.
Acarape, naquela data, abriu caminho ao Ceará, e êste, a gloriosa ex-província, denominada pela vitória emancipacionista de Terra da Luz, logo no ano seguinte-em 25 de Março de 1884- libertou todos os seus escravos, quer dizer os existentes em todo o seu território. E assim, o nosso Ceará, por sua vez, vinha a abrir o caminho da Abolição do cativeiro negro em todo o Brasil, que se verificou quatro anos mais tarde, em mês e dias, ou seja-em 13 de Maio de 1888.
Temos, portanto, três datas fundamentais, verdadeiramente gloriosas e inconfundíveis, na história da emancipação da raça negra em nossa pátria: 1° de Janeiro de 1883, a data do Acarape; 25 de março de 1884,a data do Ceará-13 de maio de 1888, a data do Brasil.
O simples emigrado potiguar da sêca de 1877 pasando a viver e atuar em novo e estranho meio, o antigo Acarape, identificou-se logo, com seus destinos, com sua vida familiar e pública, hábitos e costumes simples.
Dadas as suas qualidades morais que de logo a todos se impunham- homem reservado e criterioso, homem da família e do trabalho, ativo e prudente, não tardou que viesse Fraga a ser aproveitado como empregado no prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité,cujas obras se executavam àquele tempo, e empregado foi nesses trabalhos apenas até a conclusão do trecho Acarape à povoação de Canoa, depois Vila de Aracoiaba e mais tarde cidade de Aracoiaba.
Joaquim Agostinho Fraga serviu, posteriormente, e por algum tempo, em Ofícios de Justiça e empregado foi, também da Fazenda Pública do Estado.
Nutria sempre viva simpatia pelos negócios judiciários , e de modo especial, por assuntos de divisão e demarcação de terras, e voltou Fraga para esses negócios toda sua atividade: primeiro tirou um Carta de Solicitador perante o então Tribunal da Relação do Estado em dias do ano de 1892 em pleno alvorecer da Repáblica, recentemente proclamada (madrugada de 15 de novembro de 1889, consequência imediata da Abolição em todo Brasil).
Cinco anos decorridos, ou seja, em 1897, a Joaquim Agostinho Fraga conferiu o colendo Tribunal da Relação a Provisão para advogar em causas cíveis, comerciais e criminais.

O Brasil forjado pelo estômago

O Brasil forjado pelo estômago
História / As culturas dos povos brasileiros e peculiaridades regionais criaram nossa identidade cultural -

Por Henrique Soares Carneiro - professor do Departamento de História da USP

Feijoada, vatapá, tutu de feijão... conhecemos vários pratos chamados típicos brasileiros. Mas é possível dizer que o Brasil é uma unidade no que se refere à alimentação? Podemos falar em identidade nacional alimentar, ou então uma culinária brasileira? Durante o século XX a definição de uma culinária "nacional" acompanhou vários aspectos da própria constituição da nação, a ponto de poder se falar no mito de uma formação mestiça que integrava as supostas "três raças" da história colonial brasileira, cada uma com sua contribuição para a cultura e, portanto, também para a culinária, escondendo as desigualdades que vieram com a escravidão. Essa idéia das três raízes também homogeneizou indígenas e africanos, reduzindo vasta riqueza cultural a um mesmo denominador. Os antropólogos Gilberto Freyre e Luis da Câmara Cascudo despontaram como autores emblemáticos na idealização de quais seriam as "contribuições" de cada "raça" ao complexo alimentar brasileiro. Trataram da comida especialmente em História da Alimentação no Brasil (1967), de Cascudo, e Casa Grande e Senzala (1933) e Açúcar (1937) de Freyre, que correspondem aos trabalhos mais instigantes sobre os diversos aspectos da alimentação no Brasil. Essa visão no entanto, tem sido criticada, porque segundo o sociólogo Carlos Alberto Dória no Livro a Formação da Culinária Brasileira, " equilibra os componentes do mito moderno- o índio, o negro e o branco-suprimindo a hierarquia real que houve entre "ele". Os países coloniais como o nosso, teriam maior dificuldade em construir uma representação da cultura nacional com símbolos culinários que representassem todas as classes sociais. Assim, após a Abolição e a República, idealizou-se a feijoada como prato principal emblemático exatamente porque simbolizava uma predilação das camadas populares, mesmo que sua origem não viesse da comida típica dos escravos , alimentados sobretudo pela farinha de mandioca e pelo fubá e angu de milho ( embora não existisse milho na África). Cascudo considerou que os indígenas haviam tido uma contribuição maior à "dieta nacional" do que os negros. Os primeiros seriam responsáveis pela "base da nutrição popular, os complexos alimentares da mandioca, do milho, da batata e do feijão", enquanto dos africanos a maior contribuição teria sido a banana, " em volume, difusão e uso", além do dendê, inhame, quiabo, jiló e melancia. Aos portugueses caberia, além da maioria dos produtos animais e vegetais, o sal e o açúcar, também a maioria das técnicas de preparo, tais como o uso do forno, da fritura, massas, ovos e laticínios, permitindo uma assimilação híbrida de novos produtos ao misturar leite, ovos, açúcar com milho, a mandioca ou a banana, por exemplo. Segundo Carlos Alberto Dória, a falta de liberdade foi o principal limitador da contribuição africana à alimentação no Brasil. Eles tiveram pouca liberdade de criação culinária. Vários autores buscaram situar as diferenças regionais no Brasil, especialmente aquelas que decorrem de fatores ambientais e geográficos, conferindo assim características próprias à economia e à agricultura de cada uma dessas macrorregiões. A cada uma delas corresponderia uma culinária mais específica. Gilberto Freyre divide as culinárias nacionais da seguinte forma: no Norte ameríndio, que utilizava a tartaruga e os peixes de rio; a colonial nordestina açucareira, do coco, da mandioca e do peixe e frutos do mar ( pitu, sururu, lagosta0; colonial baiana, do dendê das moquecas, carurus, vatapás e mingaus, a colonial mineira do porco, do doce de leita, do requeijão e da sopa de legumes; e, finalmente, uma açoriana-brasileira, no Sul, como a carne fresca e influências espanholas. Outros autores propuseram variações nesse desenho de regiões que englobam a Amazônia, a Zona da Mata, o Sertão, o Centro e o Sul. Numa descrição mais simples estariam o complexo litorâneo (mandioca, peixe, pirão, tapioca, mingaus, moquecas, cauim) e o complexo sertanejo ( milho, porco, angu, fubá, canjica, cuscuz, pipoca, jacuba). O charque, o feijão-tropeiro, o arroz de carreteiro e a poçoca de pilão seriam os pratos resultantes de uma penetração do bandeirante nos sertões apoiada no binômio milho e feijão, a ponto do historiador Sérgio Buarque de Holanda referir-se a uma "civilização do milho" em sua obra Caminhos e Fronteiras. Essa seria uma cultura culinária em que predominaria o "seco" em vez de "molhado" da culinária litorânea da mandioca. Para Dória, mais do que as divisões em regiões sociopolíticas, são os ingredientes os grandes protagonistas que delineiam os territórios conforme uma presença acentuada de um ou de outro produto na dieta mais tradicional do povo. Na Amazônia , prevalecem a mandioca e seus derivados ( farinhas diversas e tucupi), os peixes de rio, as frutas e outros produtos da floresta. Na costa do Ceará ao Espírito Santo , usam-se os peixes e os frutos do mar e o leite de coco. No Recôncavo Baiano destacam-se o azeite de dendê e a "cozinha de santo". No Sudeste e parte do Centro-Oeste, predomina a "culinária caipira", com milho, o porco, o frango e o legumes da hortas com grande influência das técnicas portuguesas. E no Brasil Meridional, além do milho, do cuscuz e dos preparados com vísceras animais, encontram-se os nichos específicos do pequi no Cerrado e do mate e do pinhão a partir do Paraná e do Pantanal. A partir do século XX, no entanto, a urbanização e a industrialização, e as técnicas de conservação (latas, frigoríficos etc.), inseriram o Brasil no contexto de um modelo alimentar cada vez mais internacionalizado e industrializado pela difusão de aparatos como geladeiras,fogões etc., fazendo com que na análise de João Luiz Máximo da Silva no livro Cozinha Modelo: O impacto do gás na casa paulistana, a cozinha fosse o local da casa mais alterado pela Revolução Industrial. Isso trouxe profundas alterações sociológicas no modo de comer, tanto nos próprios produtos e modo de preparo quanto nos horários, locais e companhias das refeições.
A partir do século XX, além da desnutrição, surge também um fenômeno chamado de "gastronomia" pelo sociólogo francês Caude Fischler, que consiste no aumento da ansiedade e na perda da " competência alimentar". O crescimento de uma dieta hipercalórica, com excessos de gorduras e carboidratos e a epidemia da obesidade e de doenças cardiovasculares, é a face mais visível de uma perda do sentimento de equilíbrio e temperança.
A alimentação no Brasil também se transforma no século XX com a chegada em massa de imigrantes europeus e asiáticos, e inclusão dos seus pratos no cardápio brasileiro. O resultado é o repertório amplo de regras frouxas de combinação. Mas, como diz Dória, " a desconstrução e a reconstrução são as regras da gastronomia ultramoderna e, de repente, se está diante de uma atualidade inesperada.