quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Ao mestre Abdias
FOTO ARQUIVO RAÇA

Em 1982, na PUC de São Paulo, foi realizado o III Congresso de Cultura Negra das Américas, um evento grandioso cuja fala mais esperada era daquele senhor que, na época, já havia conquistado o espaço de timoneiro da luta contra o racismo no Brasil. Seu nome: Abdias Nascimento. Para mim, um momento único, afinal, seria a primeira vez que estaria de frente com o ativista que mudou a forma como eu encarava a questão racial no Brasil com seu o livro O Genocidio do Negro Brasileiro.

Mais tarde, descobriria que suas palavras, seus escritos e ensinamentos mudaram não só a cabeça de um jovem que sonhava em ser cartunista, mas de milhares de negros e negras que contribuíram com as mudança nas relações raciais no Brasil nos últimos 70 anos. Quase três décadas depois, encontraria Abdias novamente, desta vez para uma entrevista exclusiva para a RAÇA BRASIL. O mais interessante é que, apesar do tempo ter passado para ambos, Abdias continuava a ser a referência maior para tantos negros brasileiros que sonhavam e lutavam pelos mesmos ideais. Falo do sonho da igualdade, da solidariedade, de um mundo diferente e menos cinzento. Falo do sonho do mestre Abdias Nascimento:

Abdias Nascimento morreu aos 97 anos de idade sem ver o seu sonho concretizado totalmente, mas para o paulista da cidade de Franca, escritor, poeta, jornalista, político, militante, artista plástico, ator e diretor teatral, a luta não foi em vão. A partir de suas ideias e ensinamentos, muito se avançou no país quando falamos em questões raciais. E esses avanços aumentam a cada dia, à medida que outros negros e negras brasileiros descobrem o valor de sua raça, a beleza da cor de sua pele, e a importância de pessoas como o mestre Abdias na construção de suas personalidades. A seguir, trechos da entrevista exclusiva concedida por ele à RAÇA BRASIL. No final de 2009. Em suas respostas, fica a certeza de que perdemos um grande cidadão brasileiro, acima de tudo.

" Ainda quero ver o negro mandando nesse país. e vou ver! acho que ainda vou ver isso vivo. o negro que realizou realmente a construção do país, e não só no sentido material, não só na cana - de - açúcar, no café, no algodão, não somente na produção dessas riquezas, mas o que também construiu a riqueza intelectual, cultural, esportiva. "

"É o negro acreditar no negro. Quando é político, não acreditamos, preferimos votar no outro, quando é um médico, logo olhamos com certo descrédito, se é um jornalista, a mesma coisa. É preciso que acreditemos em nós, no potencial dos nossos irmãos para mudarmos definitivamente esse estado de coisas"

Sobre o principal desafio que o negro enfrenta atualmente

"O Obama deu uma lavada no Brasil! Aqui sempre se propagou nos quatro cantos do planeta como sendo o país da harmonia racial. Embora tenhamos essa fama, nunca tivemos uma figura de destaque que fosse canonizada pelas urnas, no mais alto posto do escalão da república, nunca houve isso!"

Sobre a vitória de Barack Obama nas eleições dos Estados Unidos

"As sessões no congresso começam com uma saudação a Deus nosso senhor. Eu, diferente de todos ali, começava o meu discurso todas as vezes invocando Olorum, pois Olorum é que é o nosso Deus. É para ele que eu batia a cabeça e mais ninguém. Imagina o mal-estar que isso causava em alguns congressistas"

Sobre o tempo em que freqüentava o Congresso Nacional. Ao invés do terno e gravata, Abdias sempre se apresentava com roupas africanas

REVISTA RAÇA BRASIL
Os Swazis
Eles habitam a divisa da África do Sul com a Suazilândia, um dos menores países do continente africano, a oeste de Moçambique e mantêm viva até hoje - após milênios de proibição - a fala do idioma Swati. Saiba mais sobre essa nação africana e o local onde vivem

-Os swazis não desenvolveram a escrita quando eram soberanos e sua história foi transmitida oralmente de pai para filho através do idioma Swati. Sem a escrita, não existe nenhum registro deles antes da dominação que sofreram – durante muitos e muitos anos – por parte dos tarsitas. Mesmo sem sua história e proibidos de falar seu idioma oficial, o Swati, a língua é mantida até hoje. O idioma é muito semelhante ao dialeto das nações Zulu e Xhosa.

-Eles são descendentes dos Nguni (pastores de gado) e acabaram migrando para o sul da África devido a esta atividade. Os Swazis chegaram à região da Suazilândia entre o século 12 e 14.

-As mulheres swazi usam, tradicionalmente, os cabelos no estilo conhecido como black power natural. Chamado de colméia tem uma trança única em volta e, por cima do penteado, cores cru, contas e búzios na sua decoração.

-Para a cerimônia de casamento entre os swazis, um parente deve colocar na mulher, no último momento, uma coroa de miçangas com uma bexiga inflada de bode abatido. O ritual serve para dar à noiva boa sorte em sua nova vida.

-A Suazilândia é um país independente e, embora as cidades pareçam modernas, a vida rural predomina e gira em torno da criação de gado, mantendo um sistema patriarcal de chefes e anciãos nas aldeias. A monarquia detém o poder absoluto. Quem dita as regras é o rei Mswati III. Ele foi educado na Sherbourne School, na Inglaterra, e controla diretamente a economia e o governo, mas faz questão de manter as tradições que outras nações africanas abandonaram.

-Todos os anos, a população jura lealdade ao rei em uma cerimônia chamada Ncwala, que dura cerca de quatro dias e seleciona possíveis jovens para, futuramente, serem eleitos. No terceiro dia, um touro é libertado, e esses jovens devem capturar e matar o animal usando apenas as mãos. Uma prova de coragem e força!

-Para esta cerimônia, são enviados alguns mensageiros para a costa de Moçambique para recolher a “espuma das ondas” do Oceano Índico e trazê-las para a “festa”. No último dia, são queimados os bens reais e utensílios domésticos, no recinto real, onde o povo realiza danças para o rei. Enormes fogueiras são acesas nas colinas ao redor, e é comemorado o início do Ano Novo. A cerimônia pode ser vista por todos, mas é proibido fotografar.

-Outra grande cerimônia na Suazilândia é o Umhlanga, ou Reed Dance, que acontece uma vez por ano e dura uma semana inteira. É uma festa para marcar a transição das moças solteiras para a condição de mulheres, que passam a ser aptas ao casamento. O rei é quem escolhe os candidatos para as mulheres jovens que farão parte da família real. De maneira discreta, as moças se vestem de roxo e colocam penas em seus cabelos.

-O povo da Suazilândia tem uma longa tradição do ocultismo e do contato com o mundo espiritual. Existe até uma escola nacional de formação para Inyangas (adivinhos) e Sangomas (curandeiros), patrocinada pelo governo. O culto dos ancestrais é amplamente praticado, quase sempre misturando o cristianismo evangélico.

-A nação Swazi é famosa também por suas artes e há barracas e mercados por todo o país com esculturas, jóias e as tradicionais armas, como lanças e escudos.

-A Suazilândia é um país que pratica a poligamia. O rei Mswati III, por exemplo, coroado aos 18 anos, se casou 14 vezes, além de ter mais duas noivas. Mas seu pai, Sobhuza II (que reinou de 1921 a 1982) superou, teve uma marca impressionante. Ao todo, foram 120 esposas.

-A poligamia no país é vista como um dos principais meios para a propagação do vírus HIV. Suazilândia tem um alto índice de pessoas infectadas, cerca de 26% da população local, um dos maiores do planeta. A expectativa de vida no país é de apenas 32 anos.

Por Sonia Nascimento fotos Rafael Cusato
A arte dos Ndebele

Eles habitam a região de Lesedi, na África do Sul e, com cerca de 650 mil pessoas, são uma das poucas nações que conseguiram preservar suas tradições. Mesmo sendo uma sociedade patriarcal, a conhecida herança artística dos Ndebele foi passada de mãe para filha ao longo dos séculos e apenas as mulheres se dedicam aos grafismos e artesanatos


- Na sociedade Ndebele, a mulher ocupa uma posição distinta, devido ao seu domínio na arte da pintura e com o vestuário. Grafismos e cores fortes são expressados em paredes e vestimentas, além dos acessórios (braceletes, colares e tiaras) confeccionados com miçangas e contas coloridas. Eles se utilizam, também, de fibras vegetais para os adornos que enfeitam o alto da cabeça, usados nas festas.

- Os grafismos são puramente artesanais e desenhados à mão livre, sem medições ou esboços. À primeira impressão, são as de imagens abstratas, mas na verdade tudo é feito baseado num complexo sistema de sinais e símbolos.

- Na arte dos Ndebele, as girafas de cerâmica também são destaques. Elas são feitas com argila e, depois de secas, esmaltadas e queimadas, ficam disponíveis para a venda aos turistas ou ainda como troca por produtos essenciais de uso doméstico.

- Apenas as mulheres se dedicam a preservar a tradição artística e passá-la para frente. As meninas Ndebele são afastadas do convívio masculino quando chegam à puberdade e passam cerca de três meses aprendendo os segredos das pinturas e artesanatos. Esse período de “estudos” mostrará o quanto elas serão boas e dedicadas esposas e mães.


CARACTERÍSTICAS CULTURAIS
- Na nação Ndebele as mulheres se enfeitam mais com o casamento e com o passar da idade. Elas utilizam anéis de cobre em volta do pescoço, dos braços e das pernas após se casarem. Os anéis simbolizam a fidelidade (elas não conseguem olhar para os lados) e só são retirados na hora do banho. Como eles simbolizam a riqueza e a fidelidade aos maridos, apenas com a morte de seus companheiros os anéis podem ser retirados, mas muitas mulheres não o fazem, por se habituarem a eles.

- Quando as jovens estão na idade de casar, recebem uma boneca com xale e o avental que irá simbolizar o novo status de mulher casada. A dona da boneca deve tomar conta dela e dar-lhe um nome, que depois será dado a sua primeira filha.



Esther Mahlangu (foto acima) conquistou o mundo com a sua arte. Abaixo, carro da marca BMW estilizado por ela em 1992


- A noiva não deve sorrir em seu casamento, pois deve demonstrar certa ‘tristeza’ de deixar a casa de seu pai. Na cabeça, ela leva um peça característica para a cerimônia de casamento, confeccionada com fibras vegetais e que demora horas para ser preparada pelas outras mulheres. Para usar o acessório, o cabelo da noiva é raspado na frente, coberto por um painel central endurecido com uma mistura de terra e mingau de ardósia, e decorado com miçangas e uma pena de ave rara.

- O corpo da noiva é pintado com gordura de ardósia e em seu rosto é dado um brilho com vaselina, para torná-la mais atraente. É considerada uma vergonha se a peça da cabeça cair ou quebrar durante a cerimônia de casamento, que é bastante demorada.

- A manta colorida típica mostra o resumo de um forte senso de arte e design desse povo artista. As mulheres Ndebele, tradicionalmente, têm a cabeça raspada ou com tranças muito finas e simples. Os aros utilizados em torno do pescoço, braços e pernas são de bronze.

POR SONIA NASCIMENTO | MODELO: ISABELA ASSUMPÇÃO | FOTOS: RAFAEL CUSATO /REVISTA RAÇA BRASIL

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Adolfo Caminha- Abolicionista e Republicano




Quando o cearense Adolfo Caminha publicou o romance Bom-Criulo, no ano de 1895, ninguém, no Brasil, nem talvez no mundo, ouvira falar em Sigmund Freud e somente nesse mesmo ano apareceria o Estudo Sobre o Hipnotismo, que a rigor, não pode sequer ser considerado ponto de partida da futura teoria da Psicanálise e da sua conseqüente implicação nos fenômenos da sexologia.
No campo da Inteligência, discutia-se no Brasil, e sempre em tom polêmico, Romantismo versus Realismo -Naturalismo, com fartas citações de Zola, Flaubert e todos aqueles franceses cujas idéias renovadoras chegavam ao público brasileiro menos ilustrado por via do culto quase devoto a Eça de Queiroz.
Adolfo Caminha,
para usar uma síntese, foi naturalista. Diria: um naturalista puro. Do romantismo da sua geração herdou a tuberculose que o mataria com menos de trinta anos de idade.
Ao ingressar na Escola da Marinha, com dezessete anos incompletos, Adolfo Caminha, como bom cearense, já trazia a marca do sofrimento, que é a vespera da revolta. Nascido no Aracati- a mais tradicionalista cidade do Ceará, em 1867, mal fizera dez anos, assiste à grande seca de 77, perde a mãe, e é enviado para Fortaleza, aos cuidados de parentes que não conhece. E, quase em seguida, vai para o Rio de Janeiro, morar com um tio, que o educa e o encaminha para a carreira de oficial da Marinha. Estava selado o destino. Não que Adolfo Caminha revelasse vocação de marinheiro. Mas porque, na juventude que frequentava a escola, o fermento da rebeldia e da insubordinaçã, que seu espírito inquieto e doído, logo se converteria numa espécie de convite, à la Nietzsche, para viver perigosamente. Não era apenas lá fora, na corte e nas províncias, que fervia o movimento abolicionista e republicano. Os alunos da escola dele participava abertamente, realisticamente, corajosamente, fiéis ao modelo por que optaram na Literatura e na Arte. Tanto assim que o aluno Adolfo Caminha, orador de uma homenagem que a escola prestava a Victor Hugo, e na presença solene e patriarcal de Pedro II, fez sua profissão de fé abolicionista e republicana, confesando-se, ativamente contra o anacronismo da Escravidão e do Império.

SUA PRIMEIRA DENÚNCIA IRIA FICAR SEM EFEITO

Nâo obstante o episódio de temeridade e ousadia, é declarado guarda-marinha em 1885 (novembro) participado, no início do ano seguinte, da viagem de instrução ao Estados Unidos. O cruzador Almirante Barroso, que primava pelo asseio e pela disciplina, não lhe transmitiria o gosto e o entusiasmo pelo oficialato, mas iria se converter no veículo ideal para seu aprendizado de insubordinação e revolta. Nessa viagem, não nasceria somente o segundo livro de Adolfo Caminha-No país dos Ianques. Germinaria também, em seu espírito a semente do seu grande romance Bom-Crioulo.
Cedo se abriu entre ele e a carreira o abismo da chibata. Não se concebia, realmente, que o jovem oficial, abolicionista, republicano, presenciasse impassível ao castigo infamante. E o silêncio para ele se tornaria mais infamante que o próprio castigo. Confessa -No País dos Ianques- com a coragem que o acompanharia pela vida: O meu primeiro passo ao deixar a escola e envergar a farda de gaurda-marinha foi publicar um protesto contra essa pena infamante, e fi-lo desassombradamente, convicto de que sobre mim ia cair a odiosidade de meus superiores; em geral apologistas da chibata.
E as cenas da brutalidade do castigo que avilta e corrompe em vez de corrigir vêm descretas, pelo futuro romancista, em toda a sua crueza, como impressão mais forte da viagem.


Texto extraído de - Espiral: Revista Literatura Nº 2- (1996)- João Clímaco Bezerra



sábado, 3 de setembro de 2011

A EMANCIPAÇÃO NO CEARÁ E OS BRAZILEIROS EM LONDRES

A EMANCIPAÇÃO DA CAPITAL DO CEARÁ -24 DE MAIO DE 1883

Jantar dos brazileiros em Londres -9 de junho de 1883

Alguns membros da pequena Colonia Brazileira de Londres reuniram-se no dia 9 de lunho em Qeen Anne' s Mansions, em Westminster, para commemorar a emancipação no município da cidade de Fortaleza. O jantar não teve senão caracter patriótico e Brazileiro, sendo de facto uma acclamação do nome da província que, primeira de todas, procurou tornar o seu sólo livre, por brazileiros ausentes do seu paiz. A presença de diversos representantes das Repúblicas Américanas deu à reunião o alcance de uma manifestação Americana a favor da liberdade, da paz, e do progresso de todo continente.
O Sr. Joaquim Nabuco que presidio, propoz o primeiro brinde ao Ceará. Antes de fazê-lo, leu as seguintes felicitações, uma da Sociedade Abolicionista Hespanhola, e outra do veterano Abolicionista Francez, o Sr. Victor Schoelcher, com cujo nome está para sempre associado ao decreto do Governo Provissorio de 1848, que abolio a escravidão nas Colonias Francezas.
Este telegramma da Sociedade Abolicionista de Madrid:
A Sociedade Abolicionista da Hespanha associa-se cordialmente á festa desta noite da província do Ceará.
Ao propor o brinde ao Verá o Sr. Joaquim Nabuco disse:

Meus Senhores, - O caracter desta reunião é tal que ainda mesmo as pessoas mais suspeitosas a respeito de tudo que se refere á escravidão entere nós, não poderão desvirtuá-lo. Não é uma reunião partidária , é uma reunião nacional. Estamos hoje aqui unidos por um único sentimento: o amor da pátria, o desejo de vê-la quanto antes livre da escravidão. Esta festa no estrangeiro tem o mesmo caracter da emancipação no Ceará, isto é, o da unanimidade e expontaneidade. O facto, que commemoramos, o de haver um districto de solo livre no Brazil, póde parecer insignificante visto tão de perto, ou por estrangeiros; mas de facto é o começo de uma nova patria, e ha de ter um lugar proeminente em nossa história, porque pelo contacto e pelo prestígio da Liberdade essa primeira area e população livre ha de alargar-se até abranger o paiz.
A emancipação no Ceará tem sido obra de todos nós, e, para ver-se quão profundamente essa febre, essa reacção moral de Liberdade actua nas camadas populares, basta dizer que os resultados de hoje são o fructo da resistencia á exportação dos escravos da província de que os jangadeiros do oceano foram o instrumento. Elles crearam em nossa historia uma legenda, que se uma revolução moral pudesse ser comparada a uma transformação política faria lembrar a dos pescadores da Galiléia.
Aqui estão presentes diversas pessoas, que bem representam a sympathia de tda a Amereica pela causa, seja-me lícito agradecer-lhes essa honra que nos fazem de vermos aqui representados, a República Argentina, nossa alliadanos campos de batalha doParaguay, e que tanto augmenta de immigração; o Chile, cujo crescimento normal pela Liberdade nos inspira o mais cordial interesse; os Estados Unidos que mesmo essa grande democracia, a qual teve desde o seu começo como Washington, Jefferson e Hamilton para representa-la, só podem datar a sua verdadeira Liberdade do dia, em que Lincoln assignou a emancipação total dos escravos.
Antes de concluir, não deixarei de externar um pensamento , que me ocorre por estarmos aqui tão perto, quasi á sombra da abbadia de Westminster. Fui tavez o unico estrangeiro da raça Latina, que teve a honra de acompanhar o cortejo mortuario de Charles Darwin. Não posso esquecer que ha quasi meio século deixando o Brazil elle escreveu estas palavras: - "Deixo agora as praias do Brazil . Eu agradeço a Deus, e nunca mais hei de tornar a visitar um paiz de escravos." - O naturalista sentia-se fortemente attrahido pelo paiz, mas o homem era repellido pelo escravidão! Se elle pudesse ter ter conhecimento dessa nossa reunião, e se soubesse o que ella representa, veria que, pela mesma evolução da qual elle descobrio as leis, o Brazil transformou-se desde então de um povo de senhores de escravos, a um povo de dez milhões de homens livres. A escravidão ainda existe , mas a nação divorciou-se della. O que era interesse de todos, tornou-se monopolio de poucos, e factos como o do Ceará, hão de apressar-lhe a queda. o que falta ao Brazil para conseguil-o é confiança no trabalho livre e no poder organico da Liberdade: porque desde que essa resolução apparecer e elle queimar os navios aprodecidos, em que a escravidão veio da Africa, ha de achar-se, como Cortez, na posse de um Novo Mundo de incommensuravel grandeza e inexgotavel opulencia. A Provincia do Ceará, e a sua gloriosa iniciativa.





sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Da forma e da figura da moeda

Quando os homens inicialmente começaram a comerciar e a comprar mercadorias e bens por meio da moeda, não havia nela ainda nenhuma impressão de figura ou imagem: dava-se apenas uma porção de cobre ou de prata em troca de comida e bebida, porção que se media por peso. Mas era coisa fastidiosa e difícil ter que recorrer e ir a balança tão frequentemente, e, ainda, tendo-se o peso como medida, não se podia equiparar com precisão a moeda às mercadorias, nem o vendedor, em diversas circunstâncias, podia saber a natureza do metal do qual a moeda era composta ou o título da sua mistura.Por isso, foi estabelecido pelos sábios daqueles tempos, prudente e sabiamente, que as peças monetárias fossem feitas de certa matéria e tivessem determinado peso, e que nelas se imprimisse uma figura que atestasse a todos, de maneira clara, a qualidade da matéria e a exatidão do peso, a fim de que, eliminadas as suspeitas, o valor das moedas fosse rapidamente conhecido sem dúvidas ou delongas. E, que tal impressão na moeda fosse instituida em sinal da veracidade da matéria e do peso, o demonstraram claramente os antigos nomes das moedas reconhecíveis por suas impressões e figuras, assim como ocorre om a libra, o soldo, o drenário, o óbulo, o asse, a sêxtupla, os denários, os grãos e semelhantes, que são nomes próprios dos pesos das moedas, como diz Cassiodoro. Assim, siclo é nome de moeda e é também o nome do peso, como aparece no Gênesis. Os outros nomes de moedas são nomes impróprios, acidentais ou denominações derivadas do lugar, da figura, do fabricante ou de outra coisa semelhante.
As proções de moeda, que são denominadas propriamente peças monetárias, devem ser de forma e quantidade aptas para ser manejadas e contadas, de matéria divisível e suficientemente maleável para receber e conservar duradouramente a impressão. Vê-se, então, por que nem todas as coisas preciosas são próprias para se tornarem peças monetárias: pedras preciosas, pimentas, vidros e outras coisas semelhantes, com efeito, não são, por suas propriedades naturais, adequadas para isso, mas somente o ouro, a prata e o cobre, como referido acima.
Texto Extraído do livro:Pequeno Tratado da primeira invenção das moedas (1355) Tradução Marzia Terenzi Vicentini.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Por que a moeda foi inventada

Quando dividebat Altissimus, gentes, quando separabat filios Adam, constituit terminos populorum juxta numerum filiorum etc.
Quano o Altissímo e soberano Deus onipotente dividiu as gentes e separou os filhos de Adão, ele delimitou os territórios de cada povo segundo o número de filhos de Israel; daí em diante os homens se multiplicaram sobre a terra e foi necessário dividir erepartir novamente suas posses.
Disso resultou que um deles passou a possuir algo a mais do que sua necessidade comportava, enquanto outro tinha dessa mesma coisa muito pouco ou nada; mas, por outro lado , este segundo tinha fartura ou lhe sobrava outra coisa que ao primeiro faltava. Assim, por exemplo, podia ocorrer que um pastor chegasse a ter ovelhas ou outro gado em profusão, mas precisasse de trigo e de pão; enquanto um lavrador, ao contrário, tivesse pão suficiente, mas lhe faltava gado.
Uam região, por sua vez, tinha algo em superabundância que a uma outra fazia falta.. Por essa razão, portanto, os homens começaram a comerciar e a trocar riquezas, sem moeda, dando um deles uma ovelha a outro trigo e, o outro, seu trabalho em troca de pão e de lã. E assim eles faziam com todas as outras coisas. Acostumaram-se , então, a proceder dessa maneira por muitos anos, em várias cidades e países, como contam Justino, o historiador, e outros autores antigos.
Porém, como surgissem nessa forma de permuta e de troca das coisas muitas dificuldades e controvérsias, os homens, engenhosos, descobriram uma maneira mais ágil de fazê-lo, isto é, fazer uso da moeda, a qual foi instrumento para permutar e comerciar entre si suas riquezas naturais. E como unicamente estas, por si próprias, satisfazem diretamente as necessidades humanas, todo odinheiro é dito riqueza artificial e não poderia ser de outro modo, podendo acontecer que alguém que as tenha em abundancia possa morrer de fome ao lado delas.
É o que argumenta o filósofo Aristotéles, citando o exemplo de um rei ganancioso, qu Ovídio, em seu livro Metamorfoses, chama Midas, o qual rezou e rogou aos deuses que tudo que ele tocasse virasse ouro. os deuses outorgaram-lhe esse desejo louco e, desse modo, ele morreu de fome no meio do seu ouro, como representaram os poetas. Com dinheiro, com efeito, não se supera de modo imediato a indigência da vida humana, sendo ele um instrumento artificial, escoberto para permutar mais facilmente as riquezas naturais.
Fica claro, então, sem necessidade de outras provas, que a moeda é muito útil e oportuna para o bem da comunidade pública, alás muito necessária, como demonstra Aristóteles, no seu quinto livro de Ética. (...)

De que material deve ser a moeda

Já que a moeda é o instrumento que serve para permutar riquezas naturais entre os homens, foi necessário que tal instrumento fosse apto para tanto, ou seja, fácil de apalpar e manejar rapidamente, leve de carregar e tal que por pequena porção dele possam ser compradas e trocadas riquezas naturais em maior quantidade, juntamente com várias outras condições que serão examinadas a seguir.
Foi conveniente, portanto, que a moeda fosse feita de matéria preciosa e pouco volumosa, assim como é o ouro; mas de matéria da qual o país tenha suficiente abundância. E quando o ouro não é suficiente, faz-se moeda de prata. Quando, então, esses dois metais não forem suficientes ou não se encontrem em abundância adequada, deve-se fazer moeda mesclada ou simples de ouro metal puro. Antigamente fazia-se essa moeda de bronze ou de cobre, assim como conta Ovidio, no primeiro livro de Os fastos, ode ele diz:
Aera dabant olim, melius nunc omen in auro est,
Victaque concessit prisca moneta novae
O que quer dizer, em vernáculo, que os antigos, em tempos longínquos, usavam suas moedas de cobre, mas hoje em dia, e melhor, os modernos negociam com as de ouro. E assim, superada, a moeda antiga cedeu lugar a nova.
(...) E, como ensina Cassiodoro, os dois primeiros homens que se diz terem achado esses metais foram Éaco, que achou o ouro, e Indo, rei da Cítia, a prata. Com ação digna de grande louvor, ele os entregaram aos homens para seu uso e, desde então, foram considerados divinos por seus povos. Por essa razão, não se deve permitir que grande quantidade desses metais seja utilizada para outros fins se o que resta não for suficiente para fabricar moeda.
Sabendo e bem considerando, outrora, tal coisa, Teodorico , rei da Itália, ordenou que o ouro e a prata, que segundo o costume dos antigos pagãos, estavam escondidos nos sepulcros, junto dos mortos, fossem dali retirados e trazidos para com eles fabricar moeda, para o uso e utilidade pública, declarando ser uma espécie de crime deplorável deixar inultimente nos sepulcros dos mortos algo que poderia servir de ajuda e sustento dos vivos.
Texto extaído do Livro- Pequeno tratado da primeira invenção das moedas ( 1355) Tradução de Maria Terenzi Vicentini-

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Um Homem de bem e um dos Heróis da Abolição

Ano de 1877.
A maior e mais comentada das nossas grandes secas comburia os sertões do Nordeste.
E Fraga-JOAQUIM AGOSTINHO FRAGA- nascido na serra de Portalegre, da então província do Rio Grande do Norte, em 28 de agosto de 1856, foi atingido em cheio pelo flagelo, o tremendo flagelo climatérico, de consequências desoladoras.
Não bastava-lhe, a ele, contando apenas com viúva e irmãos menores, vinha agora, a seca de 77, uma infelicidade a mais agravar-lhe a situação difícil e precoce de chefe da própria família do seu genitor, prematuramente falecido.
Filho era de Joaquim Agostinho Fraga de respeitável casal de honrados sertanejos: seu pai, Desidério Benigno Fraga, e sua mãe, Donata Alexandrina da Conceição.
Compelido pela terrível calamidade pública, teve ele de emigrar.
E como que por uma predestinação pública veio ter- e aí fixar residência- veio ter no antigo Acarape, atualmente cidade de Redenção, depois da gloriosa jornada abolicionista negra, solenemente triunfante em 1º de janeiro de 1833, primeira etapa da emancipação total em todo território do Brasil, em 13 de maio de 1888.
Foi, precisamente, o emigrado norte-rio-grandense de ontem com poucos outros companheiros, decididos e abnegados, um dos heróis da memorável campanha abolicionista no Ceará.
Acarape, naquela data, abriu caminho ao Ceará, e êste, a gloriosa ex-província, denominada pela vitória emancipacionista de Terra da Luz, logo no ano seguinte-em 25 de Março de 1884- libertou todos os seus escravos, quer dizer os existentes em todo o seu território. E assim, o nosso Ceará, por sua vez, vinha a abrir o caminho da Abolição do cativeiro negro em todo o Brasil, que se verificou quatro anos mais tarde, em mês e dias, ou seja-em 13 de Maio de 1888.
Temos, portanto, três datas fundamentais, verdadeiramente gloriosas e inconfundíveis, na história da emancipação da raça negra em nossa pátria: 1° de Janeiro de 1883, a data do Acarape; 25 de março de 1884,a data do Ceará-13 de maio de 1888, a data do Brasil.
O simples emigrado potiguar da sêca de 1877 pasando a viver e atuar em novo e estranho meio, o antigo Acarape, identificou-se logo, com seus destinos, com sua vida familiar e pública, hábitos e costumes simples.
Dadas as suas qualidades morais que de logo a todos se impunham- homem reservado e criterioso, homem da família e do trabalho, ativo e prudente, não tardou que viesse Fraga a ser aproveitado como empregado no prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité,cujas obras se executavam àquele tempo, e empregado foi nesses trabalhos apenas até a conclusão do trecho Acarape à povoação de Canoa, depois Vila de Aracoiaba e mais tarde cidade de Aracoiaba.
Joaquim Agostinho Fraga serviu, posteriormente, e por algum tempo, em Ofícios de Justiça e empregado foi, também da Fazenda Pública do Estado.
Nutria sempre viva simpatia pelos negócios judiciários , e de modo especial, por assuntos de divisão e demarcação de terras, e voltou Fraga para esses negócios toda sua atividade: primeiro tirou um Carta de Solicitador perante o então Tribunal da Relação do Estado em dias do ano de 1892 em pleno alvorecer da Repáblica, recentemente proclamada (madrugada de 15 de novembro de 1889, consequência imediata da Abolição em todo Brasil).
Cinco anos decorridos, ou seja, em 1897, a Joaquim Agostinho Fraga conferiu o colendo Tribunal da Relação a Provisão para advogar em causas cíveis, comerciais e criminais.

O Brasil forjado pelo estômago

O Brasil forjado pelo estômago
História / As culturas dos povos brasileiros e peculiaridades regionais criaram nossa identidade cultural -

Por Henrique Soares Carneiro - professor do Departamento de História da USP

Feijoada, vatapá, tutu de feijão... conhecemos vários pratos chamados típicos brasileiros. Mas é possível dizer que o Brasil é uma unidade no que se refere à alimentação? Podemos falar em identidade nacional alimentar, ou então uma culinária brasileira? Durante o século XX a definição de uma culinária "nacional" acompanhou vários aspectos da própria constituição da nação, a ponto de poder se falar no mito de uma formação mestiça que integrava as supostas "três raças" da história colonial brasileira, cada uma com sua contribuição para a cultura e, portanto, também para a culinária, escondendo as desigualdades que vieram com a escravidão. Essa idéia das três raízes também homogeneizou indígenas e africanos, reduzindo vasta riqueza cultural a um mesmo denominador. Os antropólogos Gilberto Freyre e Luis da Câmara Cascudo despontaram como autores emblemáticos na idealização de quais seriam as "contribuições" de cada "raça" ao complexo alimentar brasileiro. Trataram da comida especialmente em História da Alimentação no Brasil (1967), de Cascudo, e Casa Grande e Senzala (1933) e Açúcar (1937) de Freyre, que correspondem aos trabalhos mais instigantes sobre os diversos aspectos da alimentação no Brasil. Essa visão no entanto, tem sido criticada, porque segundo o sociólogo Carlos Alberto Dória no Livro a Formação da Culinária Brasileira, " equilibra os componentes do mito moderno- o índio, o negro e o branco-suprimindo a hierarquia real que houve entre "ele". Os países coloniais como o nosso, teriam maior dificuldade em construir uma representação da cultura nacional com símbolos culinários que representassem todas as classes sociais. Assim, após a Abolição e a República, idealizou-se a feijoada como prato principal emblemático exatamente porque simbolizava uma predilação das camadas populares, mesmo que sua origem não viesse da comida típica dos escravos , alimentados sobretudo pela farinha de mandioca e pelo fubá e angu de milho ( embora não existisse milho na África). Cascudo considerou que os indígenas haviam tido uma contribuição maior à "dieta nacional" do que os negros. Os primeiros seriam responsáveis pela "base da nutrição popular, os complexos alimentares da mandioca, do milho, da batata e do feijão", enquanto dos africanos a maior contribuição teria sido a banana, " em volume, difusão e uso", além do dendê, inhame, quiabo, jiló e melancia. Aos portugueses caberia, além da maioria dos produtos animais e vegetais, o sal e o açúcar, também a maioria das técnicas de preparo, tais como o uso do forno, da fritura, massas, ovos e laticínios, permitindo uma assimilação híbrida de novos produtos ao misturar leite, ovos, açúcar com milho, a mandioca ou a banana, por exemplo. Segundo Carlos Alberto Dória, a falta de liberdade foi o principal limitador da contribuição africana à alimentação no Brasil. Eles tiveram pouca liberdade de criação culinária. Vários autores buscaram situar as diferenças regionais no Brasil, especialmente aquelas que decorrem de fatores ambientais e geográficos, conferindo assim características próprias à economia e à agricultura de cada uma dessas macrorregiões. A cada uma delas corresponderia uma culinária mais específica. Gilberto Freyre divide as culinárias nacionais da seguinte forma: no Norte ameríndio, que utilizava a tartaruga e os peixes de rio; a colonial nordestina açucareira, do coco, da mandioca e do peixe e frutos do mar ( pitu, sururu, lagosta0; colonial baiana, do dendê das moquecas, carurus, vatapás e mingaus, a colonial mineira do porco, do doce de leita, do requeijão e da sopa de legumes; e, finalmente, uma açoriana-brasileira, no Sul, como a carne fresca e influências espanholas. Outros autores propuseram variações nesse desenho de regiões que englobam a Amazônia, a Zona da Mata, o Sertão, o Centro e o Sul. Numa descrição mais simples estariam o complexo litorâneo (mandioca, peixe, pirão, tapioca, mingaus, moquecas, cauim) e o complexo sertanejo ( milho, porco, angu, fubá, canjica, cuscuz, pipoca, jacuba). O charque, o feijão-tropeiro, o arroz de carreteiro e a poçoca de pilão seriam os pratos resultantes de uma penetração do bandeirante nos sertões apoiada no binômio milho e feijão, a ponto do historiador Sérgio Buarque de Holanda referir-se a uma "civilização do milho" em sua obra Caminhos e Fronteiras. Essa seria uma cultura culinária em que predominaria o "seco" em vez de "molhado" da culinária litorânea da mandioca. Para Dória, mais do que as divisões em regiões sociopolíticas, são os ingredientes os grandes protagonistas que delineiam os territórios conforme uma presença acentuada de um ou de outro produto na dieta mais tradicional do povo. Na Amazônia , prevalecem a mandioca e seus derivados ( farinhas diversas e tucupi), os peixes de rio, as frutas e outros produtos da floresta. Na costa do Ceará ao Espírito Santo , usam-se os peixes e os frutos do mar e o leite de coco. No Recôncavo Baiano destacam-se o azeite de dendê e a "cozinha de santo". No Sudeste e parte do Centro-Oeste, predomina a "culinária caipira", com milho, o porco, o frango e o legumes da hortas com grande influência das técnicas portuguesas. E no Brasil Meridional, além do milho, do cuscuz e dos preparados com vísceras animais, encontram-se os nichos específicos do pequi no Cerrado e do mate e do pinhão a partir do Paraná e do Pantanal. A partir do século XX, no entanto, a urbanização e a industrialização, e as técnicas de conservação (latas, frigoríficos etc.), inseriram o Brasil no contexto de um modelo alimentar cada vez mais internacionalizado e industrializado pela difusão de aparatos como geladeiras,fogões etc., fazendo com que na análise de João Luiz Máximo da Silva no livro Cozinha Modelo: O impacto do gás na casa paulistana, a cozinha fosse o local da casa mais alterado pela Revolução Industrial. Isso trouxe profundas alterações sociológicas no modo de comer, tanto nos próprios produtos e modo de preparo quanto nos horários, locais e companhias das refeições.
A partir do século XX, além da desnutrição, surge também um fenômeno chamado de "gastronomia" pelo sociólogo francês Caude Fischler, que consiste no aumento da ansiedade e na perda da " competência alimentar". O crescimento de uma dieta hipercalórica, com excessos de gorduras e carboidratos e a epidemia da obesidade e de doenças cardiovasculares, é a face mais visível de uma perda do sentimento de equilíbrio e temperança.
A alimentação no Brasil também se transforma no século XX com a chegada em massa de imigrantes europeus e asiáticos, e inclusão dos seus pratos no cardápio brasileiro. O resultado é o repertório amplo de regras frouxas de combinação. Mas, como diz Dória, " a desconstrução e a reconstrução são as regras da gastronomia ultramoderna e, de repente, se está diante de uma atualidade inesperada.

sábado, 9 de julho de 2011

Fundo de Emancipação de Escravos -Lei do Ventre Livre

O Fundo de Emancipação de Escravos foi estabelecido pelo Art.3º da Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871, era um aporte do Governo Imperial às provincias e aos Municípios, destinado à libertação de escravos. A lei estabeleceu a realização de uma matrícula geral de escravos no país, e a criação também de juntas municipais. Após a matricula e a classificação, os recursos arrecadados para o fundo eram divididos entre cada província de acordo com o número de escravos que possuíssem e também com os municípios, seguindo o mesmo critério. Esses recursos eram destinados à indenização dos senhores de escravos. A Junta examinava cada caso e decidia se a venda era proveitosa à causa da liberdade, aceitando o oferecimento feito pelo senhor do escravo, que era então indenizado plelo Fundo de Emancipação. Se sobrassem recursos eram acumulados para o ano seguinte.Apesar de todos os problemas e irregularidades, o fundo libertou mais de 32.000 escravos em todo o país.

JUNTA DE CLASSIFICAÇÃO DE ESCRAVOS DO MUNICÍPIO DE ACARAPE ( ATUAL REDENÇÃO)

Transcrição- Seção de História do Arquivo Público Estadual Nº2513

Junta de Classificação de escravos, do Município de Acarape, 19 de julho de 1882.

IL.mo Ex.mo S.r

De conformidade com a Lei, tem esta Junta a honra de remeter a V.Ex.cia as cópias authenticas das actas do trabalho de classificação de escravos d'este Município.

Deos Guarde a V.Ex.cia

Il.mo Ex.mo Sr. D.or Sancho de Barros Pimentel

M.D. Presidente da Província

Antonio Leonel de Vasc.os- Presidente
Henrique Mendes cavalcante
Dom.os Band.ra Moraes

Cópia

Acta da primeira reunião da Junta Classificadôra de escravos do Município de Acarape
Aos desecete dias do Mês de julho de mil oitocentos e oitenta a dois, às trez horas da tarde no Paço da Camara Municipal, reunida a Junta classificadôra de escravos d'este Município composta dos senhores Antonio Leonel de Vasconcelos- Prezidente da Câmara Municipal, Henrique Mendes Cavalcante Colletor das rendas Geraes d'este Município, Domingos Bandeira de Menezes- Promotor ad hoc, em virtude do officio circular de vinte sete de maio d'este, sob o número vinte e nove, d'este anno, o Excellentissimo Senhor Prezidente da Provincia, na qual determinou que hoje fosce o primeiro dia de reunião da Junta de classificação de escravos e o mais nos termos da Lei. Compareceu a liberta Damázia, escrava que foi de Joaquim Ferreira Nobre, perante a junta apresentou para auxilio d'alforria de dois filhos a quantia de secenta mil réis sendo um de nome Francisco com doze annos de edade e outro de nome Joanna com quinze annos de edade os quaes sendo de propriedade de Joaquim Ferreira Nobre morador desta Villa, que passou a junta a proceder a avaliação dos referidos escravos e esta avaliou-os em cento e noventa e seis mil e quinhentos e vinte réis, isto de acordo com o collector das rendas geraes e sendo ouvida a Senhora dos mencionados escravos em razão de seu marido Joaquim Ferreira Nobre achar-se ausente da provincia, ella conformou-se com a avaliação feita. A quantia offerecida por Damázia para auxilio da libertação de seus filhos, bem como a matricula fornecida por sua Senhora ficão em poder da Junta para ser remetida ao Juiz Municipal de Órfãos opportunamente. POr nada mais haver a tratar o Senhor Prezidente adiou a sessão para amanhã, às mesmas horas onvidando os mais mezarios, do que para constar mandou lavrar a presente acta em que assigno, com os mais mezários. Eu, Manoel Severiano de Oliveira. escrivão de paz o escrevi.
Antonio Leonel de Vasconcellos -Presidente
Henrique Mendes Cavalcante,
Domingod Bandeira de Menezes Promotor ad hoc.

Acta da Segunda reunião da Junta Classificadôra de escravos pelo fundo de emancipação da quota pertencente ao Município de Acarape.
Aos dezoito dias do mêz de julho, do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos oitenta e dois nesta Villa do Acarape, na casa da Câmara Municipal, as trez horas da tarde do mesmo dia, reunida a Junta Classificadôra pelo fundo de emancipação em consequência de ordens do Excellentissimo Senhor Prezidente da Província, composta esta dos cidadãos Antonio Leonel de Vasconcellos Presidente da Cãmara Municipal, Henrique Mendes Cavalcante -Collector das rendas geraes d'este Município e Domingos Bandeira de Menezes ad hoc, para o acto nomeado, a fim de comparecer algum intereçado que mais vantagens oferecesse, e não havendo quem mais requeresse, estando esgotado a verba de emancipação destinada a esse Municipio, nem reclamações apresentadas, deu-se por concluida os trabalhos da mesma Junta, ordenando o Prezidente que a quantia apresentada na sessão de hontem pela liberta Damásia, em favor de filhos Francisco e Joanna, de propriedade de Joaquim Ferreira Nobre ( secenta mil réis ) fosce remetida ao Juiz Municipal de Orfâos do Termo, conjuntamente com a matricula dos ditos escravos para o conveniente destino em vista da Lei e igualmente remettida as cópias da actas ao Excellentissimo Senhor Presidente da Provincia bem como ao Juiz de Orfãos do Termo; e não havendo nada mais a fazer deu-se por findo os trabalhos da Junta Classificadora de escravos d'este Muinicipio. E de tudo para constar mandou o prezidente lavrar a presente acta em que assigno com os demasis mezarios. Eu Manoel Severino de Oliveira escrivão do Juizo de Paz que a escrevi. Antonio Leonel de Vasconcellos Presidente, Henrique Mendes Cavalcante, Domingos Bandeira de Menezes. Está conforme.Eu Manoel Severino de Oliveira escrivão do Juiz de Paz subscrevi e assigno. Villa do Acarape , 19 de julho de 1852.O escrivão Manoel Severino de Oliveira


Antonio Leonel de Vasc.os-Presidente
Domingos Bandeira de Menezes.
Henrique Mendes Cavalcante

Secção Histórica do Arquivo Público Estadual do Ceará.

Pesquisa: Teresinha de Lisiê Freire de Souza- Diretora do Museu Histórico Memorial da Liberdade- Redenção- Ce.

terça-feira, 14 de junho de 2011

No Acarape não há mais escravos -AVE' LIBERTAS

Acarape quebra os grilhões da escravatura-a grande festa do Dia da Redenção- Presença de Patrocínio, Serpa, Tibúrcio, Liberato Barroso e "Águia do Rio Grande do Norte"- Joaquim Agostinho Fraga o último sobrevivente da " Campanha Abolicionista do Acarapense" fala à Reportagem de Rubens de Azevedo e Tago Otacílio de Alfeu- especial para "O Estado".

Associando-se às comemorações do Dia da Libertação dos Escravos no Ceará, os repórteres lembraram de dar a sua contribuição, entrevistando o último abencerragem da campanha Abolicionista no Ceará, antigo notário em Acarape- Joaquim Agostinho Fraga.
Ele narra à reportagem como foi decretada a falência do Comércio Negro no Estado, movimento encabeçado pela Vila do Acarape, e do qual tomou parte ativamente. Embora passado dos noventa, o seu tom de voz é ainda forte e seguro, e emocionando-se à recordação dessa página gloriosa de nossa História: com os olhos fixos num ponto invisível: - Foi a 25 de Março de 1884 que o povo cearense escreveu o mais brilhante capítulo de sua grande história; a extinção da escravidão negra. Foi esta terra bendita, que se levantou altaneiramente de norte a sul, num protesto de justa repulsa pela exploração da mercadoria humana. E o resultado disso foi o movimento pró-libertaçaõ dos escravos que vou pormenorizadamennte historiar.
Enquanto o fotógrafo ajeitava o entrevistado, formulava os repórteres o seu questionário. Minutos depois se entabolava o bate-papo. A primeira pergunta surgiu então:
- Quando em Fortaleza a idéia da emancipação dos escravos estava em evolução, Acarape dormia na inciência de tal movimento. Quem dele de início tinha noção e previdência de seu desiderato éramos eu e Manuel Fernandes de Araújo, respecitvamente coletor e escrivão de rendas gerais, pois tínhamos em mãos a sinopse do movimento estatístico e da matrícula do elemento servil. Éramos simples executores da Lei do Rio Branco.
- Qual o mensageiro que conduziu a nova de que o movimento em Fortaleza ia às mil maravilhas? Como procederam os baluartes acarapenses?
- Corria o segundo trimestre do exercício financeiro de 81-82. Vindo Manuel Fernandes de Araújo, coletor, a Fortaleza recolher na Tesouraria da Fazenda o saldo das rendas da coletoria do trimestre anterior, entrou em entendimento com os Chefes da Capital, e vendo a marcha vertiginosa do movimento, voltou maravilhado e me disse:- " Sr. Fraga, o movimento abolicionista na Capital está na ordem do dia . É o assunto de maior importância". Mais tarde, houve um entendimennto entre Araújo e o coletor provincial Cel. Antonio da Silva Matos que juntos, deram os primeiros passos para a propaganda em Acarape. Aí formaram-se duas sociedades:" Sociedade Libertadora Acarapense" e Sociedade Artística Libertadora Acarapense" Então daquela data em deante Acarape em peso ergueu-se altiva e bradou:-ABAIXO O ESCRAVAGISMO!...
-Como eram constituídas as duas agremiações?
- A "Sociedade Libertadora Acarapense" era composta dos Srs. Presidente- Cel.Gil Ferreira Gomes de Maria, Vice-dito Cel. Antonio Silva Matos; Tesoureiro: Padre Luis Bezerra da Rocha; 1º Secetário: Tenente Henrique Pinheiro Texeira; 2º dito Francisco Hermano Gomes Carneiro e Orador: Diocleciano Ribeiro de Menezes. A "Sociedade Artística Libertadora Acarapense" foi assim organizada: Presidente: José Raimundo Carvalho; Vice-dito; Procurador Benigno Gonçalves Glória; Tesoureiro: Luiz Martins; 1º Secretário: João Alberto de Melo; 2º dito: Joaquim Agostinho Fraga e Oradores: Diocleciano Ribeiro de Menezes e Aleixo Anastácio Gomes. É bem dizer, exceto persona mea, a flor social do Acarape.
- Em Acarap, quem primeiro libertou escravos e quais os que seguiram?
O exemplo foi dado pelo Cel. Antonio Silva Matos, então coletor da província e vice -presidente da "Sociedade Libertadora Acarapense, que, preparando três escravos que possuía, deu-lhes o alvará de liberdade. O edificante exemplo do Cel. Matos foi seguido por outros conterrâneos de fibra e caráter, figurando entre eles os Srs. Semeão Teles Menezes Jurumenha, que de bom grado alforriou todos os escavos de sua senzala, inclusive, um que há pouco havia comprado por um conto de réis. O segundo abordado no assunto foi José Antonio Oliveira, que exigiu dinheiro para poder libertar seus escravos. Então, os integrantes da Comissão se reuniram e se cotizaram, efetuando o respectivo pagamento, conseguindo libertar os escravos do supra-citado escravocrata. Seguiram-se diversos atos de filantropia praticados pelo Srs. Gil Ferreira de Maria, Cel. Francisco Bemvindo de Vasconcelos, João Duarte Franco, Lúcio José Bonfim e outros. Deram-se ainda várias indenizações como a de José Antonio de Oliveira que nós pobres operários e artistas tivemos que comprar, uma linda e jovem escrava de Francisco José de Souza ( Chico Batista), que sendo pobre e adepto de nossa sagrada causa se satisfez com a quantia de quatrocentos mil réis.
-O movimento continuou sepre até o fim com a mesma vibração do início?
-Aumentou dia a dia. A alegria era tão grande e entusiasticamente que em Acarape, quem não possuía escravos desejava tê-los para poder dizer: "Já libertei os meus..." O Cel. Emiliano Cavalcante conseguiu que o sr. Antonio Tomáz de Silveira fizesse a doação de uma escrava que se achava em seu poder de nome Joaquina e em ato contínuo entregou-lhe a carta de liberdade. A escritura de doação está em poder da família do Cel. Emiliano.
-Como se reuniam os lideres?
-Nós nos reuníamos abertamente. Fazíamos sessões para todo o mundo num ambiente democrático. Antes de terminar o mês de Dezembro de 1882, fizemos uma grande reunião , a qwual contou com a honrosa presença de membros representantes de " Libertadora Cearense" e das classes trabalhistas. Na referida sessão, entre os que fizeram uso da palavra, figurava o Dr. Frederico Augusto Borges. Seguiu-lhe o Padre Luiz Bezerra da Rocha, com palavras vibrantes. Depois o jornalista José Joaquim Teles Marrocos, representante da imprensa metropolitana, e por último o estudante Antônio de Matos Fortes. Duas libertas do Cel. Benvindo de Vasconcelos chamadas Luiza e Tereza tomaram assento na Mesa dirigente das festividades, recebendo solenemente as cartas de liberdade. Encerrada a sessão, fizeram-se "meetings" e ouviram os gritos de : "No Acarape não haverá mais escravos! "Ave Libertas!"
-Sabiam de antemão qual seria o dia da Redenção?
-Estivemos sempre em contato com a "Libertadora Cearense", a qual instrui-nos sobre os preparativos da magna solenidade.
Raiou, afinal, o dia tão anciosamente esperado; a própria natureza se engalanou, realçando o deslumbramento e a beleza das festividades:o horizonte se ornou de nuvens multicores e agrupadas. Os cimos dos montes aureolados pelo sol nascente.
Tudo exuberando alegria. A praça da Matriz semelhava-se um jardim; leques de palmeiras, crotóns, arbustos floridos, bamdeiras de variadas cores tremulando nas fachadas dos prédios. A multidão se adensava na grande praça aguardando a chegada da caravana de Fortaleza, que conduzia os pioneiros da liberdade.
-Como foi recepcionada a caravana libertadora de Fortaleza?
Pelas 8:30 da manhã, ouviu-se o apito estridente de Sinimbú, primeira grande máquina vinda para a nossa via férrea e com ele o espoucar dos foguetões e das girândolas anunciando a chegada do trem. Quando num ângulo da Praça da Matriz apontou a onda de cavaleiros, foi um verdadeiro delírio: as bombas espoucavam ensurdecedoramente. As bandas de música da Policia Estadual e dos 11° Batalhão de Infantaria executavam belíssimas peças a capricho. Logo após foi cantado o Hino da Libertação.
- Fale-me sobre a sessão de recepção comitiva.
- Aberta a sessão foi dada a palavra ao General Tibúrcio, que, depois de declinar da honra, passou-a ao Conselheiro Liberato Barroso. Este, logo em seguida, concedeu a palavra ao grande orador José do Patrocínio. Entre outras coisas disse:
"Para se conhecer a grandeza desta festa, basta vermos a cabeceira da mesa o Parlamento Brasileiro representado pela pessoa do Exmo. Sr Conselheiro Liberato Barroso - o Parlamento é a idéia - à sua direita está a espada vencedora - o Exercito Brasileiro, repesentado na pessoa do insígne General Antonio Tibúrcio Ferreira Souza! À esquerda, a Igreja Católica que convence das verdades eternas representada condignamente pelo Rvmo. Cel. Pe. Silveira Guerra. Portanto, Senhores, temos aqui três cousas distintas: a idéia que ilumina, a espada que vence e o sacerdote que convence!"
Depois de muitos aplausos, subiu à tribuna o incomparável Justinino de Serpa. O taquígrafo impotente para lhe apanhar a torrente de eloquencia das frases. Seguiu-se -lhe o orador Almino Alvares Afonso, cognominado "Águia do Rio Grande do Norte". Guardei na memória uma de suas frases: " Nenhum homem terá direito de propriedade sobre o outro. O ser preto não é efeito. Debaixo da pele negra existeuma alma pura com um livro branco, onde jamais caiu uma lágrima, um borrão ou uma uma idéia!" Depois da sessão, foi oferecido aos visitantes um lauto banquete.
-Desfilaram pelas ruas do Acarape?
Empreendeu-se uma marcha cívica. À frente ia a Comisssão Libertadora; ao lado, o carro ocupado pelo Tenente reformado Francisco Cerqueira Mano, que a grandes brados, atirava flores em profusão para ambos os lados. Parando à porta do nosso companheiro Diocleciano Ribeiro de Menezes, a Comissão entrou comigo até a sala. Déo, como era tratado, recebeu-nos de seu assento- pois estava enfermo- agradeceu-nos comovidíssimo a saudação e ofereceu-nos um óbulo para o fundo de emancipação. Pediu-nos em seguida, para quando se reunisse a Asssembléia , conseguíssemos um projeto: elevar Acarape à categoria de Cidade com a denominação de Redenção. Foi aceito o pedido e cumprida a promessa. Voltando à multudão ao lugar donde partira, estava tudo pronto para o regresso dos visitantes.
(DO "ESTADO" 25 de março de 1945")
Extraído do Livro Fraga- Afetos e Caminhos de uma família que Atravessa Mares, Sertões, desafios e Improvisos- Maria Nazaré de Oliveira Fraga.

Joaquim Agostinho Fraga

Joaquim Agostinho Fraga-Abolicionista, advogado, poeta e músico

Denomina-se FRAGA a última via conhecida de brochura publicada em 1952. É uma homenagem prestada por jornalistas dos periódicos O Estado e Correio do Ceará a Joaquim Agostinho Fraga por sua participação decisiva no movimento que resultou na libertação pioneira dos escravos no Brasil, precisamente em Acarape, hoje Redenção, onde ele se radicou após migrar do Rio Grande do Norte em 1877.

Fraga
1952
TIP ROYAL
Rua senador Pompeu
Fortaleza Ceará

sábado, 28 de maio de 2011

A cultura afro- brasileira-

Os africanos, quando chegaram ao Brasil, passaram a conviver com diversos grupos sociais-portugueses, crioulos, indígenas e africanos de diferentes partes da Africa. Nesse caldeirão social tentaram garantir a sobrevivência, estabelecendo relações com seus companheiros de cor de origem, construindo espaços para a prática da solidariedade e recriando sua cultura e suas visões de mundo. Dessa maneira, integraram irmandades católicas, praticaram o islamismo e o camdoblé e reuniram-se em batuques e capoeiras. Com isso os africanos influciaram profundamente a sociedade brasileira e deixaram contribuições importantes para o que chamamos hoje de cultura afro-brasileira.
RELIGIOSIDADE
ISLAMISMO
Os africanos mulçumanos chegaram em maior número no século XIX e foram enviados, em especial, para a Bahia, vindos da África Ocidental sobretudo dos estados hauçás, Kana, Zaria, Gobir, e Katsina. Esses estados passram por guerras de cunho religioso, as chamadas jihads, lideradas pelo grupo islâmico fulani, pelos quais foram unificados, dando origem ao Califado de Sokoto.
Os escravos que chegaram à Bahia, nessa época, eram originários dessas guerras e da política expansionista dos fulanis em territórios iorubás com influência islâmica, como Nupe, Oió e Borno.Esses escravos eram embarcados no golfo do Benin e conhecidos na Bahia como nagôs. Antes disso, alguns povos islamizados como os malinkes ou mandingas já haviam desembarcados no Brasil.
Os africanos mulçumanos na Bahia eram conhecidos por malês, palavra que se aproxima de ìmàle, que quer dizer "mulçumanos" em iorubá. Assim, de malês eram chamados quaisquer mulçumanos, fossem eles hauças, nagôs, tapas ou jejes.
Os malês utilizavam como símbolo de sua religião os amuletos, patuás ou bolsas de mandingas. Esses amuletos eram muitos comuns na África Ocidental e considerdos verdadeiros talismãs, protegendo os africanos contra os ataques em guerras, viagens e espíritos do mal. No Brasil eram feitos, em geral, de uma oração colocada dentro de pequenas bolsinhas de couro. A eles podia-se acrescentar búzios, algodão, ervas e areia.
Os malês tinham também como símbolo o abadá- uma espécie de camisola branca, provavelmente de origem hauçá, utilizada na Bahia apenas nas cerimônias rituas- além de barretes (chapéus), turbantes e anéis de ferro. Organizavam-se em torno de um mestre e reuniam-se em casas de oração e estudo do Alcorão, que na verdade, eram as residências dos participantes. Aí faziam preces, copiavam orações, aprendiam a ler e escrever em árabe.
Texto extraído do livro História e cultura afro-brasileira de Regiane Augusto de Mattos

Sociedade Libertadora Cearense

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Museu Histórico e Memorial da Liberdade ganha catálogo

O exemplar proporcionará a apresentação de vários objetos que perderam sua função de uso para ganhar o valor de documento.

Por: Roberta Farias

O lançamento do catálogo do Museu Histórico e Memorial da Liberdade, em Redenção, intitulado “Africania e Cearensidade”, aconteceu na sede da Secretaria de Cultura do município. A edição do catálogo teve o apoio da Associação dos Municípios do Maciço de Baturité (AMAB), uma realização do Instituto Olhar Aprendiz e patrocínio do Governo do Estado do Ceará.

O objetivo da obra não é o de simplesmente cumprir uma formalidade imposta por lei (Lei Federal nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009 – que diz respeito às diretrizes do Estatuto dos Museus). A ideia é mostrar a diversidade de peças sob a guarda do Museu, integrando a diversidade museológica do Ceará, ainda pouco conhecida pelos cearenses.

Além disso, o catálogo irá proporcionar a apresentação de vários objetos que perderam sua função de uso para ganhar o valor de documento. Desta forma, a população passa a adquirir uma reflexão sobre os modos de vida de gerações antigas e atuais para, assim, fortalecer vínculos com a história do Ceará.

A solenidade contou com a presença da secretária de Cultura da cidade, Lisiê Freire, que também atuou como oradora da solenidade; a Secretária Adjunta de Cultura do Ceará, Maninha Morais; a pró-reitora de graduação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Jacqueline Freire; o vereador Paulo Marcelo, representando a Câmara Municipal de Redenção; a secretária de Ação Social do município, Yolanda Bezerra, representando os secretários municipais; Chiquinho Tavares, representando a AMAB; Roberto Galvão, presidente do Instituto Olhar Aprendiz e mestre em História Social; e a diretora do Centro Educacional Perboyre e Silva, Maria Helena Russo, representando as escolas do município.

Durante o encontro foi destacada a importância do Museu para a cidade, assim como a difícil luta dos líderes abolicionistas do século XVII, para se conseguir a libertação da escravatura. A prefeita Cimar abriu o seu discurso com a seguinte frase “uma cidade sem passado é uma cidade sem futuro”, cuja menção foi direcionada ao destaque histórico e cultural que Redenção possui em relação aos demais municípios brasileiros, e reforçou o pioneirismo da libertação da escravatura no Brasil.

Maninha Morais, em seu discurso, falou da importância dos avanços democráticos dos acervos para se trabalhar a cultura no Ceará. Ela disse ainda que o momento é propício para tratar a memória e identidade do povo cearense. A secretária adjunta aproveitou a oportunidade para anunciar um convite a prefeita Cimar e a secretária Lisiê Freira, para participarem do I Encontro de Gestores Municipais da Cultura, no próximo dia 1 de junho. A reunião visa uma aproximação entre as culturas de cada localidade. Ela conta que no encontro será abordado o Plano Estadual de Cultura, um projeto de autoria da Secult.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Terra da Luz

Paula Nei, boêmio de talento, convence Patrocínio, seu amigo, a fazer uma viagem pelo Norte, onde, aliás já estivera, por ocasião da seca de 1879. (A voz de Castro Alves repercutia, ainda, entre os clarões de seus versos frementes. Contra o amor, triunfa a morte: mas renuncia diante do gênio...)
Em face do entusiasmo abolicionista do Ceará, tremiam os senhores de escravos. Para vendê-los, tentavam embarcá-los para outras províncias. Dirigidos por Francisco José do Nascimento, os marítimos de Fortaleza resolveram impedir que isso acontecesse. Os embarques eram feitos em jangadas; pois nas jangadas não mais entrariam os cativos! E, em janeiro de 1881, Francisco José do Nascimento (mestre Chico, chamado também Dragão do Mar) ordena que no porto do Ceará não mais se embarcassem escravos! A essa gloriosa província, berço de José de Alencar, chegaram Patrocínio e Paula Nei em 30 de novembro de 1882, sendo recebidos magnificamente.
Dragão do Mar e companheiros não faltaram às homenagens aos dois ilustres brasileiros.
Ao Ceará deu Patrocínio o nome de Terra da Luz, havendo sido agraciado com o título de Cidadão Cearense.
Foram apoteóticas a viagem e a excursão. Patrocínio fatigadíssimo, necessitava de repouso. E seguiu para a Europa.
Apesar de sua ausência, continuavam a campanha e o jornal, porquanto os amigos não fraquejavam.
Em 1º de janeiro de 1883 a cidade cearense de Acarape ( hoje Redenção) liberta a escravatura do município. E a data de 25 de março de 1884 é escolhida para que a província do Ceará extinga o cativeiro em seu território!
A convite dos abolicionistas da Côrte , o Dragão do Mar, em 1884, embarca para o Rio; e traz uma jangada, "Libertadora", para ser entregue no Museu Nacional,(...) O préstilo eletrizou os cariocas, foi aclamadíssimo pelas ruas. Cerca de vinte mil pessoas formavam o cortejo! Enviada, mais tarde ao Arsenal da Marinha da Corte, a jangada Libertadora desapareceu.
Perdeu-se, deste modo,uma relíquia da História do Brasil.
Lá em Paris, em março de 1884, recebe Patrocínio a notícia da libertação dos escravos do Ceará. Exultante, organiza um banquete, a que compareceu a fina flor do jornalismo da capital francesa, políticos, intelectuais! Por doença, não esteve presente Victor Hugo - mas atendendo ao apelo de José do Patrocínio, escreve umas linhas de exaltação à magnânima atitude cearense. Entre os convivas, o apóstolo negro fez distribuir seu opúsculo "L'affranchissement des esclaves de la províncie de Ceará, du Brésil"

Texto transcrito de "Patrocínio, o abolicionista". João Guimarães. Editora Melhoramentos - 1967

Maciço de Baturité Patrimõnio e Herança Cultural


Maciço de Baturité Patrimõnio e Herança Cultural





Maciço de Baturité Patrimõnio e Herança Cultural